Novidade

Novidade:

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Fingir

Já se passaram os problemas,
Mas ainda não há soluções.
E nessas ilusões eu finjo
Que há tristezas e desilusões,
Que há pieguismo e depressões.


As memórias já distantes
Me ignoram no momento.
E nesse esquecimento eu finjo
Que recordo caprichos, um talento
Puramente jogado ao relento.


As cordialidades de outrora
Acabaram em cumprimentos de vaidade.
E nos interesses eu finjo
Que amizade é paixão
E amor é amizade.


As rimas que já se foram
Destruíram a realidade.
E nessa dúvida em finjo
Que sei as respostas,
Sem saber as perguntas.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Café-tudo

Café, café, café
Pingado, expresso, macchiato,
Do boteco ao bistrô,
É o ópio do povo.
Com pinga, chocolate, afeto,
Cheiro forte e amargo do nascer do dia,
Máquina alienadora da plebe,
Especiaria do ocidente,
Presente das arábias,
O Brasil no mundo.


Café, forte e adoçado,
Construtor do país,
Com o açúcar do fundo da xícara,
O berço do brasileiro,
Dominou no passado,
Fez guerra, revolução, avanço,
Chamou o mundo pra cá,
Chamou a máquina,
Torrado, moído e até queimado.
Hoje dizem que perdeu considerável valor.
Tudo mentira, companheira dos exaustos.


Café, onipresente,
Quando não é o café quente
Está escondido, camuflado,
Com a sua cafeína, sua alma, seu coração,
Nos refrigerantes e afins,
Travestida de guaraína,
Querida por todas, querida.

Forte, sujo, cheiroso e vivo,
A cocaína da Colômbia é o café do Brasil,
Mal contemporâneo, 
vida,
Seja no Starbucks ou no bar de esquina.

sábado, 9 de novembro de 2013

De manhã

O dia surgiu de bem com a vida
O despertador não tocou apressado
Não acordei cansado
O sol ousava bater na janela
Era manhã ainda

O orvalho se despedia
Enquanto a respiração de todos era marcada
Pelo frio daquela manhã de inverno
O sol, fraco, não esquentava,
Fazia charme e só cumpria presença

Eu andava na rotina da mudança
A passos curtos, sem pressa.
Os problemas pesavam, cansavam,
Mas uma brisa de resignação veio naquela manhã
E flutuei

Sabe, os problemas eram muitos
E naquele momento nada podia mudar,
Então eu continuei meu caminho em paz
E, para fingir que amar tambem nao é um problema,
Eu amei aquela situação

Só que o inverno acaba, a frente fria esvai
O tempo fica úmido e o sol volta ao expediente
E ainda bem.
Sentir saudades é bom
Quando você sabe que há mais ano que vem.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Silêncio

E só havia o nada.
Não era tudo negro, pelo contrário:
Era um absurdo alvo.
Em uma confusão de direção,
Não havia destino, nem memórias:
Era tudo a mesma silenciosa brancura.
O silêncio foi quebrado com um "alguém?",
O resumo da melancolia do mundo.
Não houve eco.
Só houve o mesmo todo-nada, o silêncio branco,
Que pediam e em se perdiam todos.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Churrasco no Limbo

Em mais um carnaval da eternidade
As covas perderam seus conteúdos.
O Limbo foi escolhido por seu um lugar tranquilo
Para o festejo dos célebres jazidos.

Machado, anfitrião, vendo que escrever no transcendental
Não é tao interessante quanto parece,
Fez um churrasco além época e língua:
Chamou Nero para comandar a grelha;
Elvis para supervisionar os sanitários;
Bilac para servir a carne, em travessas de ouro;
Jobim e Janis faziam a trilha sonora,
Cantando clássicos dos que ainda não se eternizaram;
Napoleão ficou na porta, recepcionando os convidados:
Nem Lennon nem nenhum inglês pode entrar.

Houve muita festa, muita música, muita carne e bebida,
Só teve uma querela:
Quem seria o próximo anfitrião.
Decidiram com unanimidade:
O próximo que os acompanhasse na eternidade
Organizaria a confraternização,
Mas que fosse rápido,
Porque estar morto é entediante.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sussimborrealismo

Ontem eu dormi com uma ideia fixa,
Que não era nenhuma novidade:
O mundo não fazia sentido, não existia realidade
- Percebi que a solução era ser surreal, enlouquecia -
E dormi.


Quando levantei, senti uma coisa estranha
Um peso na cabeça além do normal.
Ela estava cúbica, com arestas chanfradas,
Sutis, como minha ignorância.
Eu era todo amarelo, deformado,
Nunca tinha me sentido tão cubista.
Meu coração estava à mostra, um buraco no peito.
Era verde de doer os olhos.
Tudo em volta era azul e branco,

Me senti uma bandeira do Brasil com as cores ao contrário.
Minha cama era uma poltrona reclinável,
Mais confortável e aquecida, vermelha.


Estava numa sala de aula toda azul e branca, como já dito,

E no tablado havia cinco "pessoas":
Meu inimigo cantava ópera como uma soprano;
Meu melhor amigo dançava tango argentino com uma cabra de plástico;
Villa-Lobos tocava sua 5ª Bachiana, acompanhando ora meu amigo ora meu inimigo,
Num violoncelo roxo com adesivos de desenhos animado;
Um gato de proporções humanas tentando ensinar física quântica;
Um garoto de uniforme dormindo, com uma corda no pescoço.

Acima deles duas "coisas" voavam:
Um elefante branco alado com a faixa presidencial
E um globo terrestre devorando cérebros e arrotando clichês.


A Morte surgiu e chegou perto de mim, perguntou se queria chá,
(Era uma voz suave e firme de mulher gentil, mas sagaz)
E aceitei.
Olavo Bilac, escravizado, trouxe a mesa já pronta para o chá das cinco.
Conversamos sobre a vida, sobre cultura, sobre filosofia,
Quando ela gritou "procrastinação!"
E tudo explodiu.


Acordei e, antes de abrir os olhos, testei se estava tudo normalizado.
E felizmente "estava", pelo menos no meu corpo
(Aquela surrealidade era muito mais que aleatoriedade,
Talvez tivesse algum significado, individual e coletivo,
Ou talvez precisasse dormir mesmo).
Quando abri os olhos, estava no meu quarto,
E todos,
Meu inimigo, meu melhor amigo, a cabra, Villa-Lobos, o gato, o garoto, o elefante, o globo, a Morte e Bilac
Dançavam can-can de saias com babados vermelhos e brancos,
Rindo da minha cara.


Fechei meus olhos novamente.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Um conto inegável

"São tudo um monte de mentiras..."
Eu decidi brincar com meu alter ego
Para relembrar aqueles momentos que não tive na infância,
E o esconde-esconde foi a escolha.
Valendo toda a cidade.

Entrei numa casa abandonada,
Onde os sonhos já aconteceram e morreram,
A 15 minutos a pé (ou menos) do ponto de encontro,
Só um morro ou outro separava os lugares.

(Em cada canto da cidade
Havia uma memória, com tempo e espaço definidos,
Que distrairia ele em meu mandado de busca
Aquela casa seria o último lugar que procuraria)

Preparado para ficar o tempo que fosse necessário,
Me escondi numa caixa verde (confortável até)
Atrás de um armário amarelo,
No sótão daquele arcaico baú arquitetônico.

(Aquela caixa era um tanto quanto estranha.
Hermética, almofadada, parecia que foi feita para se esconder.
Schrodinger e seu gato teriam inveja,
Do seu isolamento e do seu conforto, respectivamente)

E depois de três semanas de espera,
Um "oi" de problemas soou no abrir da caixa
Para mim três anos, para ele meio...
Perdemos a noção de tempo.

Um relógio velho, mas funcionando, marcava 6 horas.
6 da manhã, 18? Nem o céu falava se o sol nascia ou se punha...
Leste ou oeste? Não fazíamos ideia...
Perdemos a noção de espaço.

Após eu sair da caixa, ele propôs um novo jogo,
Que aceitei por mera e espontânea pressão.
E ele tira assim uma lista enorme do bolso.
Era caça ao "tesouro".

Ao me dar a lista - uma sopa de problemas - 
Deu-me um abraço de despedida e disse que esperaria naquele armário,
Que teria mais espaço para seus solilóquios do que a caixa
(E também a cor dela lhe agradara).

E tão hermético quanto a caixa
O armário o esconderia até eu resolver seus desafios,
Uma lista de problemas e erros sem resolução,
Mas que no final dizia uma frase acolhedora:

"Não mintamos a nós mesmos
Cometemos muitos erros e não nos arrependemos
Mas quando vierem à tona, não hesite:
Negue até a última instância".

Ah meu alter ego...

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Um dia normalmente incomum

21 de junho de 2013, era uma sexta-feira

07:30
Um nevoeiro esperado
Marcava o início do inverno
O tão querido e odiado inverno
Querido pelas férias
Odiado pelas férias mal aproveitadas
Era uma sexta-feira normal que se iniciava
As pessoas em seus respectivos lugares, trajetos
A fila do mercado, do pão, as pessoas esperando o sinal abrir
E seguirem suas vidas, na rotina mórbida e conformista

13:00
O coração das pessoas batia mais forte:
Era hora do almoço
O vento frio que batia contrastava com o sol suave
Típico do inverno paulistano
As pessoas andavam, mas já diferentes, era sexta-feira
Mas alguma coisa estava faltando...
Talvez fosse a fome, o inverno
O vento batia de uma forma diferente
Era o amor, a diferença, o cansaço
Todos esperavam o fim do expediente

17:30
A melhor hora do dia:
O sol batia fraco e o frio aumentava
O efeito das grades, dos prédios, de tudo com o sol
Davam a maior alegria para um poeta, 
Para quem ama as coisas simples da vida
A multidão tomava as ruas e contavam o tempo para voltarem aos lares
Para a história ser traçada
Para relaxar e ver o sol fraco nas grades
No lirismo revolucionário do cotidiano

22:00
O dia acabava
E o vendo batia forte
Ventos novos, frente frias, ares de mudança
Tudo estava nos seus lugares há mais de sete anos
E agora só que percebo, percebem, que tudo mudou
O pessoal, o coletivo,  foi tudo mais um dia
O nevoeiro, o almoço, o sol fraco e o vento,
E esse poema
Foi tudo mais um dia

O dia

sábado, 15 de junho de 2013

Choveu

E eu, no meu espaço fechado,
Não vi a chuva desse inverno seco e triste
Que passou por minutos lá fora.
Só eu não vi a chuva.

E, quando fui desvendar a rotina,
Notei algo estranho:
As pessoas estavam menos ranzinzas
E até esboçavam um falso sorriso de esperança,
Nos pontos de ônibus, nas praças.
Estavam encolhidas de frio, de sono:
Aconchegadas.
Vi menos ego, menos poluição,
O azul do fim de tarde era mais intenso, reflexivo.
E assim todas foram indo.

Só eu não senti a chuva.

Os dedos da tristeza

Eu tentei nesse espaço
Fazer um poema que retratasse meu péssimo momento
Mas percebi que não é só a vida que não me aguenta mais
Meus dedos também

Quem diria, ó nervos, ó tendões
Que vocês me decepcionariam tanto
Na minha já decepção
Com essa omissão, essa revolta

De teclas, de caligrafia, de notas e cordas erradas
De desatenções, de masoquismo,
Vocês se machucam, erram, sofrem. Dedos sádicos
Que me veem sofrer e me fazem sofrer mais

Eu tentei fazer alguma coisa que prestasse à minha alma
Que me livrasse desses dilemas e ironias amargas
Mas meus dedos só servem bem para o que lhes interessa
(E algumas vezes eu penso que nem eu lhes interesso)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Viagens da minha mente

Nos últimos tempos
Em reclusão poética
Vieram algumas coisas à mente
Como um delírio, ou uma luz que pisca e estoura
Que me fizeram tirar certas conclusões sobre o tudo.
Não muito boas:
Vivemos em um mundo sem sentido.

Não que seja spleen romântico
Ou outra crise existencial juvenil
Em que o mundo é uma depressão
Onde os herois são mendigos
Os vilões são os que querem a constância
A indigência é a revolução
E o futuro são folhetins
Os críticos são hipócritas
As críticas são evitáveis.
Não:
O mundo está feliz.

Mas, entre outras análises
De profunda ironia científica
Constatei que não existe realmente felicidade
E que as pessoas não sabem o que falam ou o que dizem
(Muito menos eu).
E, depois de muito suor, a máxima dos estudos:
"Minha mente foi muito infeliz nessa pesquisa e nesse poema"

Dualismos imaturos

À noite, o jovem sonhador com a insônia discute o mundo
Reflete sobre suas ações, o mundo, um fervor mental, espiritual
Críticas e mais devaneios insanos em ouvidos com fones.
Pensa em mudar o mundo, agir diferente, ousar
Observa a cidade e faz a reflexão dos séculos
Quando a insônia se cansa de tanto papo furado e o rapaz dorme.

Na manhã do dia seguinte o sol surge cegando seu olho,
Ele levanta, toma o café, o ônibus, a bronca na escola
Quando ele vê a cidade e fala que belo o mundo e sua vida
Pensa em nunca esquecer ninguém e nada que convive, na sinfonia do caos.
E assim ele sai na sua rotina vendo o pôr-do-sol após um longo dia.
E assim ele pensa em sair da rotina para ver o sol nascer melhor a noite.

Ped_nte

E lá vem o mestre do conhecimento
O multiuso e o multiculto
Se infiltrar nas altas posições do astro
Acabar com os problemas pendentes da humanidade.

Porém em um dia inopurtuno
Após chegar ao topo
Notaram que o garoto era só um mais um pedante,
Era só mais um pedinte.

Anoiteceu

Anoiteceu
Os bêbados tomaram seus postos nos bares
Os sãos buscaram o conforto dos lares
Todos seguindo seus caminhos nos mares
Da disposição


Anoiteceu
O sol que movimentava o mundo foi-se pelos ares
Ares frios agora que congelam os milhares
Pobres que buscam a vida nos altares
Da imaginação


Anoiteceu
Para escrevê-la faltou disposição
Faltou muita imaginação
Para minha canção
Amanheceu.



quinta-feira, 28 de março de 2013

Desabafo

Fala sério, que sono...
É uma pena o meu cansaço não se basear no passado,
Mas se basear na minha dor de cabeça diária
Na minha rotina indecifrável, invisível.
Me poupe.


Posso fazer sozinho?
Ou será que eu ainda não consigo engatinhar
E tenho que ficar no colo da resistência,
Do cativeiro, da obrigação?
Já basta.


Eu fiz besteira...
Me desculpem as pessoas por meus erros,
Pela falta de uma peça, de um manual
Na minha suposta perfeita máquina humana.
Que exagero.


Que saudades são essas?
Sinto falta do incompreensível,
Do insensato, do absurdo,
De um passado bom, mas dispensável.
Estranho.


Estou tão só...
Parece que amor faz uma ironia comigo
E agora tudo está sem sentido,
Pelo menos para a sociedade parece.
Tanto faz.


O mundo está errado:
Os herois são mendigos, drogados, idiotas, zumbis e retardados.
O certo esta errado e tudo é incerto.
Um apocalipse moral, o mundo está carnavalizado.
E eu, com meu carnaval do infortúnio.


.....................................


Estressado?
Que nada, são só alguns desabafos
Pra alguém que não consegue contar,
Entender tudo o que sente.
Só quero paz.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O gaitista - um conto azul


Em um desses dias chuvosos de outono, no fim de tarde, sentei em um banco coberto numa praça, das tantas que sentamos para descansar, esperar, para aguardar o fim da chuva. A memória fraca da gente se esquece dos milagrosos guarda-chuvas. Mas enfim, sentado no banco, por instinto e talvez pelo clima na qual eu me encontrava, comecei a assoviar suavemente um blues, daqueles de solos de gaita. Já tinha tentado várias vezes tocar esse instrumento, mas minha capacidade musical era limitadíssima, estava com uma na bolsa, ironicamente. Mas, como um vulto, surgiu na minha frente um velho andarilho, barba má feita, sobretudo e bengala, molhados pela chuva, fedendo a outros carnavais, uma voz rouca e grave. Olhou para minha desatenção e riu, e foi quando o notei. Não se apresentou, não me apresentei, só me perguntou se eu tinha tempo para ouvir uma história antiga de andarilho que ele se lembrara ao ver-me assoviando (mesmo que mal) um estilo de música tão amado por ele. Vi a chuva forte e, ocioso, aceitei a proposta do maltrapilho.
 “Um tempo antes de você nascer, ouvi uma história em um dos muitos bares que já entrei de um jovem, um jovem que, diferente de você provavelmente, era pobre e, sobretudo, triste. Só tinha o que comer e o que vestir. Seus pais morreram quando alcançou a maioridade, e a única coisa que restou foi ele e os ensinamentos dos pais, e uma gaita. Aos 10 ganhara uma gaita de brinquedo e ele se viu encantado. Aos 18, a primeira coisa que comprou do seu primeiro salário, em um bico, foi uma gaita de verdade. Chinfrim, mas de verdade. Aprendeu em pouco tempo, nunca teve aulas ou soube teoria musical, tocava com a intuição, com o amor que não tinha. Ele expressava toda sua tristeza no blues que tocava e improvisava, a tristeza não causada por sua condição social ou financeira, mas porque ele sentia dentro de si um vazio, e o blues preenchia-o. Eu o conheci pessoalmente, vi ele tocar em um barzinho temático de blues, caindo aos pedaços, mas um bom lugar. Ele tocava com uma perseverança e eloquência notáveis, com as palhetas da gaita falhando e desafinadas. O som não muito agradável do instrumento enaltecia-se com o sua mente, sua tristeza. Após essa noite, pelo que me contam, ele pegou uma chuva absurda, como essa de hoje, mas ele foi, na madrugada, até onde morava de aluguel, uma quitinete confortável, tocando sua gaita e chorando a chuva que caía. Não adoeceu, mas sua gaita ficou mais enferrujada, acabada. Chorou a tristeza dos séculos e, com tudo o que tinha comprou uma gaita nova, dessa vez uma melhor, na medida do possível, em outro dia chuvoso, vestindo um sobretudo amarrotado. Ela o acompanhava para onde ia..."
Ele parou um instante, abriu a vestimenta e tirou uma gaita, toda estourada a coitada, mas funcionando, e ele tocou-a com a emoção de uma mãe ao ver o filho realizando seus desejos, de um sonho realizado, de uma tristeza enraizada e acolhedora. Eu já estranhava e veracidade do conto, pelos detalhes, mas ao ouvir tal melodia me surpreendi com tal história. Não chorei, mas um pensamento complexo tomava meu cérebro, fechei os olhos e aproveitei o momento. Quando ele parou, eu perguntei a ele se era sua história, mas ele não me respondeu, ignorou e riu. Antes de ir embora, vi a gaita dele toda velha, e, mesmo com o seu som belo, ofereci a minha que estava na mochila. Ele recusou, pelo contrário, ofereceu a sua dizendo: "Agora é a sua vez, mostre sua tristeza em blues". Eu, envergonhado, tentei tocar alguma coisa naquela velha gaita. Não saiu muita coisa: “Grande começo", o andarilho disse. Riu, e foi-se. Antes que eu pudesse perceber e devolver seu tesouro, ele já tinha sumido. Talvez ele tenha se encontrado com a ventura e contado tal história a ela, enquanto passeava pelos séculos. Guardo aquele presente a sete chaves, degustando algumas vezes o som daquela tristeza presa na alma, liberada num tom azul diatônico, um azul de amor.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Eu-todo

Num devaneio clássico
Na hora da procrastinação,
Me deparo com uma árdua discussão interior
Entre os alteregos da minha loucura

Talvez eles não tivessem mais o que fazer
Só queriam ver quem tinha o maior ego
Talvez pra ver quem dominaria meu ser
Digo, o que seria mais frequente.

O meu eu-estressado, a muito tempo ausente:
"Quero ver quem vai ousar me bater de frente!"
O eu-devaneio, que compartilhava recentes situações:
"Pode ser, mas dá uma preguiça essas tantas obrigações"
E o eu-ansioso, já dando a palavra rapidamente:
"Tem que ser eu logo, não vejo a hora de estar mais presente"
Já o eu-depressivo, se retirando despercebido:
"Ainda não sei porque eu fui concebido"
Em outro canto, o eu-saudosista observava o luar:
"Bons eram os tempos em que não tínhamos com o que se preocupar"
Ao lado, o eu-músico de apressava:
"Esse luar merecia uma bela serenata!"
Ouvindo isso, o eu-lírico pegava o lápis e o papel:
"Vou te acompanhar nessa homenagem ao céu"
O eu-boêmio já trazia as bebidas e os petiscos:
"Vamos festejar e por nessa discussão riscos!"
O eu-nada ficou em silêncio absoluto
Observando a festa feliz como se estivesse em luto.
A disputa dos egos não importava,
Mas sim a festa para o luar com a melodia cantada!

E assim, a festa na minha bagunça psicológica iniciava-se.
Quando me dei conta, sorri e vi que eles se completavam
(E se contemplavam, mesmo parecendo o contrário)
Deixei a lua que via da janela deixá-los felizes
E copiei o que meu eu-lírico fez de acompanhamento pra canção
Talvez eles tenham entrado num consenso 
E criaram um estado de paz interior
E assim finalmente eu fique eu paz com os meu eus.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Esquecimento - possibilidades

 Talvez eu devesse pensar menos...
    ...para não pensar no que devia saber.
O tempo passou como desejo,
Um desejo de criança,
Aqueles que se esquece quando nos entretemos,
Mas não houve entretenimento,
Talvez uns bons momentos, poucos sofrimentos
Não me lembro muito bem, de nada.

Talvez nos confins da vida a memória melhore
Para contarmos o que não podemos mais fazer,
Nem o que pudemos.
E agora, penso que não vale a pena mais pensar nisso,
Talvez o futuro ainda guarde bons momentos
Para serem lembrados.

Diários, fotografias, cartas, nada é capaz
De me fazer lembrar do que vivi
E do que deveria ter vivido;
As oportunidades que perdi pouco importam agora.
Poderia ter visto mais o céu, o sol, as estrelas,
Poderia ter visitado meus amigos, me lembrado,
Poderia ter vivido mais intensamente.
Talvez agora eu devesse descansar,
O fim trará consigo as respostas.
Talvez eu devesse me esquecer de tentar me lembrar.
Talvez eu devesse esquecer.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Desentendido

Ele era um garoto estranho, talvez ele fosse normal e os outros é que fossem estranhos. Vivia bem, era amigável, mas era um mau entendedor. Talvez ele tivesse um pouco de dislexia, talvez tivesse uma tendência sociopata, mas provavelmente não era isso: eram dúvidas que atrapalhavam sua existência. Tinha um número considerável de amigos, uma vida aceitavelmente agitada, mas ele não sabia o que fazer, porque fazer, e isso o entristecia. Chegou até a maioridade sem saber o que realmente era capaz, do que ele queria para o futuro que estava na sua frente. Ele queria conforto, paz, mas ele não sabia onde encontrar tal utopia. Ele vivia, olhando pra frente, esquecendo o passado e resistindo ao futuro, mas uma hora ele não suportou. As coisas não andavam do jeito que ele queria, parecia que o mundo conspirava contra ele. Ele se viu frágil, entrou em uma depressão profunda, e quando não se via em mais nada, só viu o copo de cianureto em cima de sua mesa, pronto para um drink mortal instantâneo. Enquanto realizava a preparação de seu desespero, se perguntava porque aquele momento estava acontecendo e o que levou ele a esse ponto. Ele não sabia, não se lembrava, só se lembrava de uma festa organizada para o dia seguinte: um encontro de velhos amigos, e o copo na sua frente. Morte instantânea, talvez seja por isso que ela foi usada diversas vezes no decorrer da história. Ele deixou a porta aberta, esperaria visitas no dia seguinte, para a festa. A triste reunião no dia seguinte não veio de surpresa, mas era estranha e até mesmo irônica. Ele reuniu todos que amava para dizer que ele finalmente entendeu sua estadia na Terra: ele deixou um bilhete ao lado do copo, e com a mais bela caligrafia, dizia: "não há nada para fazer nesse mundo que eu não entendo. Vejo vocês quando tiver todas as explicações". Um tempo depois, as pessoas continuaram suas vidas, independentes, e por fim se esqueceram dele, só se lembravam de um garoto estranho que se suicidou em um ato desesperado. Eles não entendiam, mas o garoto estranho só queria mesmo era saber quem ele realmente era. Ele queria ser feliz de verdade.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Simples extravagância

Era só um casal
Que se encontrou numa noite agitada
Num luxo desajeitado
O amor se mostra de múltiplas maneiras
Talvez a deles fosse a mais extravagante
Mas eram um belo casal

Ele talvez soubesse de tudo
Ou de tudo sobre o que os outros nāo sabem
(Ou o que ninguem precisa realmente saber)
Ela nāo sabia de nada
Talvez soubesse o que vestia, onde morava
Viviam num pedantismo divino

Um dia eles decidiram viajar 
O aviāo caiu
Era quase como ganhar na loteria
Únicos sobreviventes em uma ilha deserta
Que beleza foi essa
Voltar à idade das cavernas nāo é nada fácil

E lá se foram aquelas roupas
E lá se foi aquele conhecimento
E eles lá se foram
Morreram pouco tempo depois
Um dia antes do helicóptero resgatar suas carcaças

Era um casal bom
Oa cremados tiveram suas cinzas jogadas no mar
Junto com flores amarelas e brancas

Era um casal extravagante
Que morreu num acontecimento extravagante
Simplesmente mais um casal que morreu
Com simples marcas das suas extravagâncias