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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A noite dos amores mortos - Em 4 atos


Ato 1 - A chegada
Era noite, chovia de modo comum para a estação, o horário.Noite de agosto, passava assim entre poças d'água saltos vermelhos,um longo vestido preto, uma capa. Se dirigia a uma cobertura de prédio, daqueles bem antigos, ela adorava coisas antigas, mas sem muito saudosismo.Sobre a calçada que não se distinguia  da avenida de paralelepípedos, andava sozinha, sob seu guarda chuva pequeno,carregando a morte em sua bolsa, sorriso discreto sobre seu fino chapéu, que dava um teor mais conservador ao seu visual, de certo modo paradoxal. Entrou no hall principal, foi subindo as escadas suavemente, chamando a atenção dos que lá estavam, sorrindo e ignorando.Bateu na porta, estava aberta. Já lhe esperavam.A suave moça então tirou seu chapéu,a capa que sobrepunha o longo vestido.O guarda chuva, esse ficou na entrada.Mas esses são meros detalhes.

Ato 2 - O prelúdio
O felizardo sentado no sofá, levantou-se e encaixou a agulha da vitrola no raro vinil.Tango argentino.Então, pegou o vinho, as taças, se serviram. Uma ceia meio incomum, era carne de bode, a longe mesa os dividia, um em cada canto. Sem conversa, sem suspiros, só o tango queimando a vitrola e sendo absorvido nas almas dos dois, que sentiam a paixão fatal percorrendo seus capilares. Eles sabiam que de lá não sairiam, pelo menos um deles, ou os dois. A comida acabou, e o que restou nos pratos esfriou, o vinho era cada vez mais apreciado e mais rápido os afetava. "E agora?" a moça, chegando até esse ponto, foi capaz de fazer pergunta tão insensata. "É o fim" disse ele suavemente, e então se levantaram, ao mesmo tempo e como se combinado, se dirigiram ao quarto, involuntariamente, mas sutilmente.

Ato 3 - O ato principal - apogeu
O tango agora se misturava ao flamenco.Ele, com seu terno, gravata vermelha, esbanjava a luxúria que ela possuía. Eram iguais, inimigos mortais. Ele, um psicopata, ela, uma assassina megalomaníaca. Seus passados não condiziam com o que acontecia. Pareciam dois bailarinos, na suave sensualidade do que tocava lá longe, na sala. E o silêncio sumia, a chuva cessou, agora mesmo com as janelas e cortinas abertas o vento não conseguia mais esfriar os fatos, as almas. E assim foi-se misturando a saia preta com o paletó, os saltos com a gravata, e esse momento se traduzia em puro amor, sem interesse, sem o interesse que os levava a chegar a tal lugar, a tal situação.O mundo se uniu por algumas poucas horas, em torno dos dois procurados por todos, vivos ou, preferencialmente, mortos. Já esperavam o fim, mas não aceitavam.

Ato 4 - O silêncio
Depois das longas e poucas horas de puro amor, a música reencontrou seu sentido. O que antes era um canto lírico e sensual, se tornou no mais profundo uma guerra, ainda na cama. Agora o puro amor, o esquecimento, se tornaram um jogo de interesses. Um observador qualquer diria que ali se encontrava o mais divino sentimento, mas a vida ensina que nada é tão simples. Eles se levantaram, agora tocava uma música suave, mas tocante, e eles se lembraram dos seus destinos, suas missões. Apreciavam o belo vinho.Tinto, suave, cor de sangue. Com as taças secas, a moça se levantou, como um agrado, para pegar mais do agradável aperitivo. O último. Colocando pitadas da morte, aquelas que carregava sempre na bolsa, na taça do companheiro, o mesmo segurava de modo sutil e sorrateiro sua arma com silenciador, para evitar possíveis problemas sonoros.Ele não queria que a música fosse interrompida com barulhos de morte.
E assim a moça entregou o sangue venenoso ao amigo, e foi arrumar o vestido preto que usava, amassado após aquele amor puro. Nem pôde terminar de arrumar-se. Um tiro certeiro do colega a fez descansar de tanto amor, misturando naquele belo vestido vermelho manchas de vinho que combinavam com seu salto. Ele, vitorioso, tomou seu belo vinho como uma comemoração. A polícia chegou minutos depois, sabia de tal encontro. Mas a música já tinha acabado.

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